A Saudade e o Casamento
Todo mundo tem, ou ao menos deveria ter, um lugar para onde ir antes de ir para o caixão. Um restaurante, um bar, uma sala de cinema, seja lá o que for. Um lugar para ir.
Por circunstâncias da vida, a maioria desses lugares muda de endereço, de nome, de função ou simplesmente deixa de existir. Outros, mais raros, se mantêm firmes nos mesmos locais onde foram erguidos e exercendo a mesma função por décadas.
Estádios de futebol construídos no Brasil entre as ditaduras do Estado Novo e civil-militar que resistiram à ditadura da arenização são bons exemplos. Mesmo sem frequentá-los por anos, eles continuam ali, exibindo futebol ou aguardando a partida seguinte.
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Tudo muda se os portões de tal estádio são fechados por quase um ano, enquanto a vida segue e o futebol também. O lugar ainda existe, segue no mesmo lugar, mas não se pode ir a ele.
Pensando nessas coisas enquanto percorria as arquibancadas antes da partida começar, ele finalmente entendeu algo que já sentira antes mas jamais soube explicar até então: saudade.
Sinais, fortes sinais
Antes do pontapé inicial, o sistema de som do estádio insistia no repertório baseado em pagodinho de corno para abafar os gritos de exaltação à porradaria e outros crimes entoados pelas torcidas uniformizadas.
Quando a bola começa a rolar, outra parcela da torcida começa a cantar Mamonas Assassinas. Mudar de lugar deixou de ser opção e virou ordem.
Ainda conseguiu caminhar do meio de campo à bandeirinha de escanteio antes do gol dos visitantes, anotado antes dos quatro minutos de jogo. Sem muita demora, veio o empate e, com um pouco mais, o intervalo.
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“Vão saber no vestiário que o adversário direto pelo título perdeu seu jogo e vão voltar naquela preguiça”, pensou e não demorou a confirmar. Aos 30 minutos do segundo tempo, aconteceu.
Um casal de noivos, ele de smoking e ela de vestido branco, adentraram as arquibancadas. O amigo morto, personagem-chave da partida anterior no estádio, jogou a toalha.
“O miserável me casa numa quarta-feira e faz os amigos irem ao casamento no meio de semana”, disse o amigo morto. “Aí larga os convidados na recepção e vem para o estádio faltando 15 minutos para acabar”, continuou, antes de concluir “não vou gastar minha eternidade vendo isso”.
O time levou o segundo gol, perdeu o jogo, uma invencibilidade de nove jogos. O casal garantiu uns stories no Instagram e a emissora de TV fez sua matéria para convencer de que o amor venceu.
“Quero lá saber se amor venceu, quem eu quero que vença é o meu time”, cochichou o amigo morto no caminho de volta. “Da próxima vez, vê se me traz no caixão pra ver esse time vagabundo. Casamento acaba no divórcio ou na morte, torcida não”, concluiu o espírito.