Cada atuação de Clint Eastwood é um sopro de juventude, mesmo que todo mundo seja mais jovem que ele

Maurício Targino
2 min readMar 25, 2019

Ser de esquerda e gostar de Clint Eastwood deveria ser, em tese, uma contradição. Em parte por causa de Dirty Harry, o truculento e cínico policial interpretado pelo ator/diretor em 5 filmes, que tornou-se rosto — e voz — da sede de vingança dos “oprimidos pela criminalidade”.

Para além das telonas, o posicionamento republicano (embora tenha se declarado adepto do Libertarismo anos atrás) de Eastwood tampouco ajuda. Sim, ele fez campanha para Donald Trump.

Em tempos nos quais separar o trabalho de um artista das ideias que ele defende é cada vez mais difícil, o veterano de 88 anos mostra que sim, isso é possível. No entanto, vale para ele por um simples motivo: ele é Clint Eastwood.

A Mula, seu 72º trabalho como ator e 40º como diretor, já pega pela sinopse: a história real de Leo Sharp, um floricultor de 90 anos que se torna transportador de drogas do Cartel de Sinaloa. Uma vez apagadas as luzes, Clint Eastwood não precisa sequer de 5 minutos para colocar o espectador no universo do simpático e espirituoso protagonista, aqui batizado como Earl Stone.

Quebrado financeiramente e afastado da família, Earl tem a oportunidade de ganhar muito dinheiro e acertar não só as dívidas monetárias como também pessoais. Tudo contado sem pressa nem atropelos narrativos, dentro das aproximadamente duas horas habituais.

Com a sabedoria que só uma carreira de mais de seis décadas pode dar, Eastwood se permite auto-ironias como uma “quase piada” racista em determinado momento do filme ou pieguices como “não pude comprar o tempo”.

Quando fez Gran Torino em 2008, Eastwood prometeu que seria sua última atuação. Quebrou a promessa quatro anos depois, em Curvas da Vida e em 2018 com A Mula. Como diretor, no entanto, a coisa muda: foram nada menos que 10 filmes de 2008 pra cá.

Os Oscars de filme e diretor por Os Imperdoáveis em 1993 poderiam ser um encerramento triunfal de sua carreira. Para o bem do cinema, não foi. Cada frame que ele preenche na tela transborda energia e jovialidade para quem o vê — mesmo que esse espectador tenha, em sua grande maioria, menos do que os 88 bem vividos anos desta lenda chamada Clint Eastwood.

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Maurício Targino

Pai de meninos, marido de mulher, sugar daddy de gata manhosa e tutor de cachorra preta.