Sem torcida todo jogo é pelada de firma

Maurício Targino
3 min readJun 18, 2020

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“Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém”, já diria Eduardo Galeano [Foto: André Durão]

Futebol e torcida foi a maior história de amor que a humanidade conheceu, ao lado do amor de mãe, é claro.

Mas, ao contrário do amor de mãe, o romance entre futebol e torcida acabou. Para sempre. Que os envolvidos sigam em paz os seus caminhos.

O futebol é um cafajeste

Quem foi ao estádio, viu um jogo do seu time ou uma partida qualquer na TV com torcida entre o fim de semana de 7 e 8 de março e o GreNal da porrada na Libertadores 2020, terá lembranças vívidas desses momentos. Tal como a Geral do septuagenário Maracanã, não mais existem, nem voltarão.

Uma pandemia muda o mundo e o futebol não foge à regra. Mas, ao contrário do mundo, o futebol tinha a opção de parar. E não parou, mesmo tendo de sacrificar o que tinha de mais importante: a torcida.

Se Atalanta x Valencia pela Champions, em fevereiro, ajudou a espalhar o coronavírus no norte da Itália, a festa dos torcedores do Napoli (foto) após o título sobre a Juventus tem tudo para fazer o mesmo no sul, meses depois [Ciro de Luca/Reuters]

Não bastava a cafajestagem de retornar em meio ao pior momento do planeta nos últimos 100 anos.

Tinha que ter alto-falantes reproduzindo som de torcida — com direito a uuuuu quando a bola passava perto e tudo — na Espanha.

Tinha que ter título do Napoli sobre a Juventus — uma das melhores coisas do futebol — com mosaico digital na arquibancada durante a transmissão em um estádio completamente vazio na Itália. E comemorado pela torcida nas ruas de Nápoles em meio a uma pandemia.

E tinha que ter Bayern campeão na Alemanha e David Luiz fazendo merda na Inglaterra, claro.

Só não tinha que ter Flamengo x Bangu no Maracanã ao lado de um hospital de campanha durante uma pandemia. Nem em estádio algum de um país que é o epicentro de uma pandemia.

Torcida serve para alguma coisa?

À torcida, pouco restou a fazer: exaltar lembranças de um passado nada distante, assistir jogos em estádios vazios pela TV ou simplesmente deixar de lado. Nada que se compare a estar no estádio, ou mesmo ver pela TV.

Torcida influencia tanto jogador quanto telespectador. Com ela no estádio, o jogo é outro.

Sem milhares nas arquibancadas para vê-lo, Cristiano Ronaldo seria um perna-de-pau pior do que o pior perna-de-pau que jogou no seu clube.

Sem torcida rival provocando, Romário teria marcado, se muito, 10% dos seus mil e poucos gols.

Sem torcida, o futebol é como a velha anedota do náufrago que encontra a Sharon Stone na ilha deserta*: que graça teria os gols de Maradona contra a Inglaterra (sobretudo o primeiro, que todo o mundo viu que foi de mão, menos o juiz) se o estádio estivesse vazio?

Talvez o futebol não morra sem a torcida. Mas sem ela todo jogo é pelada de firma.

Torcida também não morre. Algumas até se juntam pra descer porrada em fascista, que vale muito mais que torcer para um clube.

Sobretudo se o clube se alia com fascista.

Fascista de camisa do Flamengo entre o próprio presidente do Flamengo (à direita) e o do Vasco, cuja camisa o fascista da ponta esquerda veste (Reprodução/Instagram)

*não reproduzida na íntegra por seu dispensável conteúdo machista

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Written by Maurício Targino

Pai de meninos, marido de mulher, limpador de caixa de areia de gatas e datilografista.

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